Clima: sem comida, não há resiliência possível

Escrito por Rodrigo "Kiko" Afonso para Folha de São Paulo

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Enquanto o mundo discute metas de transição energética e neutralidade de carbono, um elemento essencial segue sendo negligenciado na política climática global: a comida. Os sistemas alimentares são, ao mesmo tempo, uma das principais causas e maiores vítimas da crise climática. E reconhecê-los como tal é urgente.

Dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) mostram que 34% das emissões globais de gases de efeito estufa estão ligadas à produção, transporte, consumo e desperdício de alimentos. Só na América do Sul, 90% do desmatamento está relacionado à expansão da agropecuária.

Um terço dos alimentos produzidos é desperdiçado. E 70% da água doce do planeta é usada na agricultura. Não dá mais para fingir que comida não tem a ver com o clima.

Mas a contradição se aprofunda quando analisamos quem mais sofre os impactos. Ondas de calor, inundações e secas prolongadas têm comprometido colheitas em todo o mundo, destruído modos de vida e colocado em risco o acesso a alimentos de milhões de pessoas.

Só em 2022, mais de 148 milhões foram afetadas por eventos extremos que impactaram diretamente sua produção ou acesso à comida. É o colapso climático batendo à porta da cozinha.

Nesse cenário, o Brasil acaba de dar um sinal ao mundo: saiu oficialmente do Mapa da Fome das Nações Unidas. O novo relatório da FAO, divulgado nesta semana, mostra que o país conseguiu reduzir seus indicadores de insegurança alimentar grave, contrariando a tendência global de piora.

É uma conquista da sociedade civil, de políticas públicas reativadas e de uma mobilização coletiva em defesa da vida. Mas também é um lembrete de que não há solução sustentável se não colocarmos a alimentação no centro do debate climático.

Foi com esse objetivo que a Ação da Cidadania, em aliança com outras organizações da sociedade civil, lançou a campanha internacional Forests4Food. A iniciativa nasceu para reposicionar o tema da alimentação como eixo estruturante da agenda climática e garantir que a COP30, no Brasil, seja lembrada como a COP da Comida.

Proteger florestas é garantir resiliência alimentar. É conservar solos férteis, ciclos de chuva, polinizadores e modos de vida que historicamente alimentaram comunidades sem destruir ecossistemas.

Ao mesmo tempo, é urgente expor a hipocrisia de um sistema que destina a maior parte de sua produção de grãos para ração animal, biocombustíveis e ultraprocessados — e não para alimentar diretamente pessoas.

Um sistema que investe mais de 500 bilhões de dólares por ano em subsídios agrícolas predatórios, enquanto a agroecologia e os sistemas alimentares locais seguem subfinanciados.

É por isso que estamos levando à COP30, em Belém, um manifesto com propostas concretas, para que os sistemas alimentares sejam incorporados de forma vinculante aos compromissos climáticos dos países (as chamadas NDCs).

Também defendemos que a soberania alimentar seja reconhecida como um direito climático, que o desperdício de alimentos seja reduzido em 50% até 2030 e que territórios indígenas e comunidades tradicionais sejam reconhecidos como infraestruturas vivas de segurança alimentar e climática.

Adaptar-se à crise climática é, antes de tudo, garantir comida de verdade no prato das pessoas. É transformar um modelo de produção em colapso. É parar de tratar a fome como efeito colateral e começar a tratá-la como parte central da solução.

Porque quem tem fome, tem pressa. Mas também tem direito ao futuro.