Clima, floresta e fome: o parecer da CIJ e o futuro dos sistemas alimentares na COP 30

Isadora Gomes

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Uma decisão internacional transformadora movimentou ambientalistas, entusiastas, políticos progressistas e defensores de causas sociais em todo o mundo neste mês de julho: diante do avanço do aquecimento global, a Corte Internacional de Justiça - CIJ, conhecida como Tribunal Mundial, emitiu um parecer que abre caminho para que países poluidores sejam responsabilizados pelos danos ambientais que provocaram. Embora tenha grande importância do ponto de vista simbólico e legal, o parecer não tem caráter vinculante, ou seja, não é uma decisão que os países são obrigados a seguir; funciona mais como uma orientação sobre o tema.

Mas não vamos perder o ânimo: apesar de os países não serem legalmente obrigados a cumprir o que a Corte afirmou, o documento tem um peso inédito que pode, sim, afetar positivamente a prática: trata-se de uma opinião jurídica que, mesmo sem impor obrigações imediatas, pode fortalecer processos em tribunais, embasar campanhas de advocacy e aumentar a pressão diplomática sobre os grandes poluidores.

A decisão nos oferece ferramenta poderosa, que pode (e deve) ser usada por quem luta por justiça climática. Por exemplo, no Brasil, ações judiciais e mobilizações da sociedade civil podem se apoiar nesse novo marco internacional para exigir respostas mais efetivas e garantir a proteção do meio ambiente ligado ao direito à vida, à saúde, à alimentação adequada, e à segurança alimentar, por exemplo.

​​A trajetória desse parecer é, por si só, um legado para toda a sociedade civil global: a iniciativa partiu de jovens estudantes de direito das ilhas do Pacífico, regiões que estão à margem dos grandes debates internacionais, mas que vivenciam os impactos mais severos das mudanças climáticas. Segundo reportagem da BBC News, ao articular essa demanda, esses jovens conseguiram mobilizar países vulneráveis e inspirar uma onda de solidariedade e engajamento internacional.

O parecer da CIJ é um divisor de águas não só para o direito internacional do clima, mas também para o futuro dos sistemas alimentares globais, para o acesso à boa alimentação e para o combate à fome. A segurança alimentar está sob ameaça direta das mudanças climáticas, e a decisão da CIJ pode fortalecer ações locais de justiça alimentar e climática, ao fortalecer sociedade civil e os consumidores na cobrança por transparência, rastreabilidade e respeito aos direitos humanos em toda a cadeia alimentar.

De acordo com estudo publicado na revista Nature Food e divulgado pela ONU, os sistemas alimentares são responsáveis por mais de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa de origem humana, um dado alarmante que reforça a urgência de repensar profundamente nossos modos de produção, consumo e distribuição de alimentos. E agora estamos ainda mais respaldados juridicamente para exigir essas transformações.

Essa transformação, no entanto, precisa reconhecer que alimentar a humanidade e conservar os ecossistemas são objetivos complementares e profundamente interdependentes, como lembra o relatório The State of the World’s Forests da FAO. A saúde das pessoas e a saúde das florestas caminham juntas, e muitas populações dependem diretamente desses ecossistemas para garantir sua segurança alimentar e nutricional. Essa visão é, aliás, a base da campanha Forests4Food que Ação da Cidadania, SDG2 Advocacy Hub e outros apoiadores estão promovendo. Você pode se juntar a nós assinando a petição da campanha aqui: https://www.forests4food.org/ .

A crise climática também impacta diretamente a agricultura: eventos extremos como secas, inundações e a disseminação de pragas e doenças reduzem a produtividade, os rendimentos e os nutrientes dos alimentos, como alertou o diretor de Clima e Biodiversidade da FAO em entrevista à COP 30. Hoje, mais de 700 milhões de pessoas passam fome no mundo, e a mudança do clima é uma das causas centrais dessa tragédia.

Alimentação saudável, sustentável e acessível passa a estar no centro das soluções para a crise climática. A decisão da CIJ é um chamado à responsabilidade coletiva e à urgência de uma transição alimentar justa. Cabe a nós transformar esse novo marco jurídico internacional em ação concreta, acelerando a transição para sistemas alimentares mais justos, sustentáveis e resilientes.

E o que esse caso nos ensina sobre participação social na Conferência das Partes? A articulação mostra que a pressão vinda da base, protagonizada por juventudes, movimentos sociais e comunidades afetadas pode gerar mudanças concretas no cenário global.

Existe um respaldo jurídico internacional inédito e movimentos de base e novos atores têm mais ferramentas para reivindicar justiça, pressionar por políticas públicas e cobrar responsabilidade dos grandes emissores. Ora, se a opinião dos juízes do tribunal mundial pode remodelar a justiça climática e impactar as leis ao redor do mundo, o ativismo pelo clima não é em vão. Este é um ensinamento valioso, especialmente às vésperas da COP 30: só a mobilização contínua, criativa e fundamentada pode transformar decisões históricas em avanços reais na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Referências:

G1. Mudança climática: Corte Internacional de Justiça emite parecer histórico sobre países poluidores. Jornal da Globo. [S.l.]: G1, 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-da-globo/video/mudanca-climatica-corte-internacional-de-justica-emite-parecer-historico-sobre-paises-poluidores-13783457.ghtml.

STALLARD, Esme; RANNARD, Georgina. Top UN court says countries can sue each other over climate change. BBC News, 2024. Disponível em:https://www.bbc.com/news/articles/ce379k4v3pwo.

ONU BRASIL. Por Eleutério Guevane: Corte Internacional de Justiça afirma que mudanças climáticas são “ameaça urgente e existencial”. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2025/07/1850532#:~:text=Por%20Eleut%C3%A9rio%20Guevane*&text=A%20Corte%20Internacional%20de%20Justi%C3%A7a,uma%20amea%C3%A7a%20urgente%20e%20existencial%E2%80%9D.

G1. Em parecer histórico, o Tribunal Mundial afirma que as mudanças climáticas são uma ameaça existencial. Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2025/07/23/em-parecer-historico-o-tribunal-mundial-afirma-que-as-mudancas-climaticas-sao-uma-ameaca-existencial.ghtml.

ONU BRASIL. Sistemas alimentares são responsáveis por mais de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/115817-sistemas-alimentares-s%C3%A3o-respons%C3%A1veis-por-mais-de-um-ter%C3%A7o-das-emiss%C3%B5es-globais-de-gases-de#:~:text=O%20Relat%C3%B3rio%20Especial%20do%20Painel,reduzir%20nossas%20lacunas%20de%20conhecimento.

COP30 BRASIL. “A mudança do clima e os conflitos são razões que provocam a insegurança alimentar”, declara diretor da FAO. Disponível em: https://cop30.br/pt-br/noticias-da-cop30/a-mudanca-do-clima-e-os-conflitos-sao-razoes-que-provocam-a-inseguranca-alimentar-declara-diretor-da-fao.

FAO. The State of the World’s Forests 2020. Disponível em: https://openknowledge.fao.org/server/api/core/bitstreams/8f8f2820-6df4-4746-9295-e9356148f8a2/content/CA8642EN.html#chapter-Key_message.