Florestas e alimentos são inseparáveis. As florestas são mais do que árvores — são fontes de vida. Elas armazenam e liberam a água que nutre nossas lavouras, regulam o clima que sustenta nossas colheitas e protegem os ecossistemas dos quais todos dependemos. No Brasil, essa verdade é profundamente sentida. A Amazônia não é apenas central para a cultura, culinária e identidade brasileiras — é uma fonte vital de alimento, resiliência e esperança para todo o planeta.
Nosso sistema alimentar está falhando em fornecer a todas as pessoas, no Brasil e no mundo, dietas acessíveis, diversas e nutritivas, ao mesmo tempo em que degrada os ecossistemas e aprofunda desigualdades sociais e econômicas. Ele depende excessivamente de um modelo baseado em monoculturas, desmatamento e pesticidas químicos. Isso ameaça nosso planeta e nossa saúde. Povos indígenas e agricultores familiares demonstram há décadas que é possível produzir alimentos em harmonia com a natureza e protegendo as florestas.
#Forests4Food é uma campanha no Brasil e no mundo para colocar a alimentação no centro da COP30, mostrar o que é possível fazer se agirmos, e convocar líderes políticos no Brasil e em todos os países a reconhecerem a urgência e tomarem medidas concretas.
Quando o mundo se reunir na Amazônia, em novembro, a COP30 será uma oportunidade para ouvir os povos indígenas e agricultores familiares de todo o mundo; conectar alimentação, saúde, florestas e clima; reforçar os compromissos políticos assumidos na Declaração dos Líderes da COP28 para incluir os sistemas alimentares nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e nos Planos Nacionais de Adaptação; e vincular essa agenda à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, para catalisar uma transição global unificada e inclusiva.
Além disso, a mudança climática descontrolada está acelerando o desmatamento e revertendo décadas de progresso no combate à fome e à desnutrição. Hoje, 733 milhões de pessoas vão dormir com fome, e quase 3 bilhões não conseguem pagar por uma dieta saudável. Cientistas preveem que a situação deve piorar. A mudança do clima representa uma ameaça crescente para agricultores e comunidades tradicionais. Estamos ficando sem tempo para proteger nossas florestas e precisamos agir com urgência para transformar nossos sistemas alimentares, tornando-os sustentáveis, resilientes e nutritivos. Devemos empoderar agricultores familiares para nos alimentar enquanto protegem e regeneram as florestas.
A Presidência brasileira da COP30 oferece uma oportunidade crucial para agir em defesa das florestas e reformar os sistemas alimentares. Com base na liderança do Brasil durante o G20 em 2024, que estabeleceu a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, a COP30 pode promover justiça climática e alimentar no Brasil e mobilizar a comunidade internacional para avançar rumo a sistemas alimentares inclusivos, resilientes ao clima e que equilibrem bem-estar humano, sustentabilidade ecológica e equidade econômica.
Transformar a forma como produzimos e consumimos alimentos significa romper com práticas que ameaçam nossas florestas, biodiversidade e clima, e que contribuem para a má nutrição e os problemas de saúde em larga escala. É preciso avançar para sistemas que considerem tanto o acesso equitativo a alimentos nutritivos quanto a sustentabilidade na forma como esses alimentos são produzidos.
É impossível alcançar justiça climática e alimentar sem reconhecer a importância da agricultura — um dos pilares de muitas economias — que precisa estar no centro da transformação necessária.
As práticas agrícolas precisam mudar. O desmatamento e o uso excessivo de fertilizantes contribuem para a crise climática. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), “Desde 1990, estima-se que 420 milhões de hectares de florestas foram perdidos por desmatamento (FAO, 2020). Quase 90% do desmatamento tropical ocorreu em função da expansão agrícola (FAO, 2021).” O sistema agroalimentar é responsável por um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que desperdiçamos quase um terço dos alimentos produzidos no mundo por causa de infraestrutura deficiente, armazenamento precário e acesso limitado aos mercados. Estima-se que práticas transformadoras poderiam cortar entre 10 e 12 bilhões de toneladas de CO₂ por ano e gerar até 10 trilhões de dólares em benefícios econômicos líquidos anuais.
Agricultores familiares, povos indígenas e comunidades rurais são desproporcionalmente afetados pela fome e pobreza e estão na linha de frente da crise climática. A fome é, antes de tudo, resultado de escolhas políticas — decisões que priorizam o lucro, as exportações e a concentração fundiária em detrimento do direito humano à alimentação.
A agricultura familiar, com seus pequenos produtores, é responsável por uma parte significativa da produção global de alimentos, alcançando até 35% (FAO). No Brasil, esse tipo de produção representa 70% dos alimentos consumidos (IBGE). Com investimentos e apoio adequados, esses produtores podem liderar a transição para sistemas alimentares resilientes e sustentáveis. Já estão fazendo isso, de forma criativa, por meio de jovens, povos indígenas e agricultores que abrem caminhos. Sem investimento e apoio, suas inovações não serão ampliadas, seus desafios não serão enfrentados. Eles ficarão para trás.
O financiamento climático precisa alcançar, investir e ampliar as soluções de quem historicamente cuida da terra e das florestas. É preciso compromisso político, políticas alinhadas e financiamento para transformar os sistemas alimentares, garantindo dietas acessíveis, saudáveis e sustentáveis, e apoiando comunidades rurais, indígenas e agricultores familiares na adaptação aos impactos da mudança climática e na proteção e regeneração das florestas.
Transformar os sistemas alimentares não é apenas uma questão técnica ou de produtividade. É uma questão de redistribuição de poder, proteção de territórios e garantia de dignidade. Sem transformar os sistemas e estruturas que produzem desigualdade, nossos esforços para proteger as florestas e o planeta não alcançarão os resultados necessários.
Olhar para o passado para seguir em frente — Não precisamos reinventar o mundo — precisamos aprender com aqueles que o sustentaram, mesmo sob constante ameaça. O futuro da alimentação e do clima depende de escutarmos quem cuida da terra há séculos.
Sem florestas, não há água.
Sem água, não há comida.
E sem comida, não há futuro.
Vamos ouvir, investir e amplificar!
Fontes:
https://www.fao.org/markets-and-trade/areas-of-work/emerging-trends-challenges-and-opportunities/global-agricultural-supply-chains--deforestation-and-responsible-sourcing/en
https://doi.org/10.4060/ca8642en
https://www.fao.org/newsroom/detail/cop26-agricultural-expansion-drives-almost-90-percent-of-global-deforestation/en
https://www.nature.com/articles/s43016-021-00225-9
https://www.wri.org/insights/how-much-food-does-the-world-waste
https://foodsystemeconomics.org/wp-content/uploads/FSEC-Global_Policy_Report.pdf
https://www.fao.org/newsroom/detail/Small-family-farmers-produce-a-third-of-the-world-s-food/en